Tenho para mim que ao Doutor Cavaco puxa-lhe o pé para a chinela. Isto podia ser uma anedota. Por exemplo: se Portugal tivesse tido o acidente de eleger o dr. Louçã Presidente da República, então, caso este fizesse a actuação que Cavaco está a fazer, seria anedótico. Era motivo de gargalhada geral, como o são aqueles amadores que se mandam para garraiadas e fazem figura saloia em frente ao toiro.
Acontece, porém, que do Doutor Cavaco não se espera o mesmo que do dr. Louçã – pelo menos eu esperava muito mais do primeiro que do segundo, do qual, aliás, não espero nada de benigno – e por isso custa assimilar os acontecimentos da última semana. Por três vezes, Cavaco Silva vem falar aos jornalistas e afirma e reafirma que não falará do assunto das escutas antes das eleições para não interferir na campanha eleitoral. Mas o mesmo que se recusa interferir por palavras na campanha eleitoral, premeditadamente ou não, através da sua acção veio provocar estilhaços maiores do que qualquer palavra sua provocaria.
Pois que se o Doutor Cavaco queria ausentar-se da campanha, já tinha idade para perceber que “ausentar-se da campanha” incluiria palavras e acções, ou não-palavras e não-acções. Mas esta demissão do seu assessor de imprensa veio levantar a suspeita de que este, envolvido com o PSD, encomendou o caso das escutas ao jornal Público. Ora, Cavaco não fala; Manuela Ferreira Leite é bem melhor que não fale; e os portugueses vão às urnas com esta suspeita infiltrada na tinta da esferográfica que pousarão no boletim de voto.
Prejudicará alguém? Não senhora! Agora percebo o que Cavaco quis dizer com “entregarei o meu cartão de militante do PSD na sede do partido” quando ganhou as eleições. E parece que quis dizer “levantarei o meu cartão de militante do PS na sede do partido”.